Dizia-me um amigo meu, sabe-se lá influenciado por qual mentor ou filósofo, que quando a democracia funciona sem protestos, é porque funciona bem e é perfeita.
Por outras palavras, esse meu amigo quis dizer que quando qualquer eleito por via da democracia não é confrontado com a contestação de quem o elegeu, é porque está a governar bem.
Surgiu esta frase num café da cidade misturada entre muitas outras numa amalgamada discussão cujo cerne se centrava na Nobel proclamação de José Saramago relativamente à funcionalidade protestante do voto em branco. Eu sou um dos que concorda com José Saramago. O meu amigo não concorda.
Dizia-me então o meu amigo, que isso do voto em branco já foi proposto pelo MFA em 1975! E o povo não tinha aderido! E perguntou-me se não tinha ouvido no dia anterior o Pacheco Pereira.
Aquela interrogação azedou-me e irritou-me muito, porque se há incongruência maior em certas palestras ou palestrares é a postura de Pacheco Pereira e do Durão Barroso relativamente à questão histórica da cidadania livre e democrática. Então não se lembram que em 1975 esses ilustres senhores militavam numa acção desvairada e anti-democrática?
Mas o que interessa ressalvar de certas atitudes, e particularmente da de Pacheco Pereira, não é o valor da experiência do seu passado histórico, mas sim o valor da experiência enquanto passado ético relativamente à democracia.
O senhor Pacheco Pereira, depois de tanto ler, ainda não atingiu o significado intrínseco à palavra democracia. Por isso debita de forma panfletária frases feitas e comuns, que tanto ficam muito mal ao recatado e comum dos cidadãos, como assentam pessimamente a um “Politólogo” que se pretende líder de opinião. Algumas frases proferidas por Pacheco Pereira nos programas da Sic relativamente à questão filosófica colocada por José Saramago, documentam a anti-cultura democrática de algumas pessoas, ou o reflexo condicionado do salivar asneirento que, na senda do cão de Pavlov, ainda enfeita o palavreado odiento de certas personagens recalcadas pela sedimentação do ódio aos comunistas e bloquistas.
Uma manifestação desrespeitosa e anti-democrática, arrogante e de negação austera da pluralidade democrática, foi o que Pacheco Pereira conseguiu comunicar com esse seu discurso.
O voto em branco é, como parece sentir José Saramago, um acto de profunda lucidez contra o esgotamento da esperança de mudança nascida na revolução dos cravos. É a discordância contra um sistema. Apesar desse sistema ser o mais perfeito no naipe das imperfeições. Mas porque se julga a democracia ocidental como o sistema mais perfeito, vamos colocar um travão no processo histórico? Atingimos nós a perfeição plena? A democracia não evolui mais?
O que José Saramago quis dizer ao apelar no voto em branco nas eleições foi que a democracia não é um sistema estático, ela evolui como todos os sistemas que nasceram e morreram dentro do inevitável processo histórico.
E a democracia conforme está vigente terá também que evoluir, para melhor, claro! As novas tecnologias, principalmente as da comunicação, das quais destaco a internet poderá revitalizar a democracia com a participação directa e real do povo na sua governação. O “plano tecnológico” que é quase uma ficção, na realidade poderia ser aplicado para que os governos locais, regionais e nacional permitissem o voto pela internet através de assinatura digital e com a vantagem da redução dos custos inerentes a uma votação iria permitir que se realizassem referendos locais, regionais e nacionais a qualquer momento a muito baixo custo. Claro que isto implicaria muito esforço e investimento inicial, e claro vontade e honestidade politica e seria um projecto a longo prazo (tecnologia não é só a máquina bimby que cozinha sem esforço e nem usar um computador para jogar solitário). Esta sim seria uma verdadeira democracia, em que o povo governa para si mesmo.
E o voto em branco, ou a massiva votação em branco dos cidadãos que vivem em regimes democráticos, caso essa votação viesse a acontecer, poderia apenas expressar um ensaio popular de lucidez e descontentamento, ou a abertura do espírito para ultrapassar a barreira do conceito histórico e burguês de democracia.
Esqueceu-se o Senhor Pacheco Pereira que há outros conceitos de democracia, e provavelmente mais evoluídos.
Por isso, e no seguimento da nossa conversa de bar, retorqui eu à interrogação do meu amigo:
O voto em branco, como refere Saramago, seria um passo em frente para a evolução do conceito democrático; e não, como afirmou Mário Soares, um passo em frente em direcção ao nada. Desde 1974 já passaram 30 anos, e vemos quanto o nosso país evoluiu a nível do sistema democrático! Nada! Pelo contrário!
O meu amigo, que até é puxado à direita, olhou para mim resignado, engoliu um trago de cerveja e anui com a minha exaltação somente com um gesto afirmativo de cabeça. O regime democrático precisa de mais sangue, o qual deveria ser ministrado através de referendos.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
25 de Abril, do Voto em Branco proposto pelo Saramago e o referendo
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